segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Volta à casa paterna, Odorico Tavares

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"Limpem o espelho.
Se quiserem, não mexam na mobília.
Mas limpem o espelho :
Vai haver a volta à casa paterna.

Verdade é que não sei se tudo
pode ficar como dantes,
se os sapatos ainda me caberão,
se as roupas apertadas ficarão,
se nos livros as antigas leituras estarão.
Mas limpem o espelho.

O rio pode muito bem 
ter desviado o seu curso,
e não encontrarei mais o local
dos banhos à tardinha.

As pedras das ruas possivelmente não
terão mais as marcas dos meus pés,
e nenhum indivíduo me indicará 
os caminhos conhecidos.

As árvores mesmo,
se não são outras,
mostrarão velhos troncos
irreconhecíveis.

Perguntarei inutilmente pelos companheiros :
Antonio ? Frederico ? Baltazar ?
Oh vozes que não respondem !
Amigos que jamais verei !

Decerto terei pelo menos
as vozes dos pais ressoando
de leve pelas paredes.

Por isso, limpem o espelho,
porque, apesar de todos os disfarces,
a imagem da criança que se foi há muito
tempo e hoje voltou,
se refletirá nítida e forte,
com a pureza e o encanto
dos seus primeiro sorrisos. "


 Odorico Tavares,
"A sombra do mundo "1939.

Obrigado a Bruno Freire, 
que postou no facebook o 
painel em que está o poema,
na exposição do fantástico
Instituto Ricardo Brennand.

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