sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A sombra do morcego, Ângelo Monteiro









Ângelo Monteiro
a.jmonteiro7@gmail.com


Barbudo e saltitante como um Papai Noel que só tivesse presentes para si mesmo, as pessoas e as coisas unicamente lhe servem de plateia para as piruetas do seu espetáculo interminável, já que não cultiva outro interesse para além da transparência das vitrines em que se expõe, com frequência, diante dos seus contumazes ou circunstantes espectadores.

Por isso não dispõe nunca de tempo e oportunidade para sequer pensar no destino dos seus contemporâneos mais próximos, de uma vez que cada um dos seus possíveis interlocutores não passa de mero acidente de carreira ao longo da espetacular corrida até ao pódio do sucesso a qualquer preço. 

Muitos hão de estranhar, certamente, por não se achar em face de um jogador em defesa do seu time, nem de um ator de cinema ou de televisão atrás dos conhecidos refletores e, sim, de um autor de ficção que, em lugar de concentrar-se nas ideias obsessivas dos seus personagens, mostra-se bem mais preocupado, por meio de múltiplos papéis midiáticos, com os resultados imediatos de uma exibição pessoal, como se dela dependesse o destino não apenas daqueles mas do próprio autor. E, como se o autor, e não os personagens, fosse o objetivo real da sua ficção.

Em qualquer lugar, portanto, que encontrem o nosso autor, ele dará sempre a impressão de estar administrando algo, que vai desde a presumível glória à atmosfera constantemente esvoaçante em que costuma bailar ou simplesmente circular. 

Como bom morcego o que lhe falta em visão da realidade  pois só consegue enxergar a si próprio – lhe sobra em poderosas antenas, ligadíssimas principalmente em captar as movimentadas cotações do mercado literário, de preferência voltada para as esfuziantes e vazias novidades de que se alimenta.

Daí a ficção do nosso autor se reduzir a um estuário de desencontradas vozes, menos individuais que coletivas, que de há muito entraram em desacordo com os restos ainda arquejantes dos apelos pessoais. Porque ela, em vez de cenário em que se encarnam os encontros e desencontros dos homens, se tornou, ao contrário, no local de exposição permanente do seu autor, que é em verdade o personagem principal, embora separado por completo dos dramas que se desenrolaram um dia a partir do seu projeto originário tanto de vida quanto de ficção. E, agora, quando muito travestido na figura de um narrador, nosso autor se converte, ao assumir tal personagem, no princípio e no fim de toda representação.


Ângelo Monteiro é ensaísta

EU :

O poete recifense Angelo Monteiro publicou ontem no caderno de opinião do JC o mais enigmático artigo de 2012.

Não tenho a menor idéia de sobre quem ele está falando.
E, se tivesse, não iria dizer a vocês.

Desde o J 'Accuse, de Émile Zola, em 1898,  que não via um libelo tão desencanado.