terça-feira, 3 de junho de 2008

Marilyn


Oração por Marilyn Monroe

Ernesto Cardenal



Senhor
recebe esta moça conhecida em toda parte pelo nome de Marilyn Monroe
mesmo não sendo seu verdadeiro nome
(mas Tu conheces seu verdadeiro nome,
o da órfãzinha violada aos 9 anos
e da empregadinha de loja que aos 16 já quisera se matar)
e que agora se apresenta diante de Ti sem nenhuma maquiagem
sem Assessor de Imprensa
sem fotógrafos e sem dar autógrafos
sozinha como um astronauta diante da noite espacial.

Ela sonhou quando menina que estava nua numa Igreja (segundo conta a revista Time)
ante uma multidão prostrada, com as cabeças ao chão
e tinha de caminhar na ponta dos pés para não pisar nas cabeças.
Tu conheces nossos sonhos melhor do que os psiquiatras
Igreja, casa, cova são a segurança do seio materno
mas também algo mais que isso…
As cabeças são os admiradores, é claro
(a massa de cabeças na escuridão debaixo do facho de luz).
Mas o templo não são os estúdios da 20th Century Fox.
O templo – de mármore e ouro – é o templo de seu corpo
em que está o Filho do Homem com um chicote na mão
expulsando os mercadores da 20th Century Fox
que fizeram de Tua casa de oração um covil de ladrões.

Senhor
neste mundo contaminado de pecados e radioatividade
Tu não culparás tão-somente a empregadinha da loja.
Que como toda empregada de loja sonhou ser estrela de cinema.
E seu sonho fez-se realidade (mas com a realidade do technicolor).
Ela não fez senão atuar conforme o script que lhe demos
- O de nossas próprias vidas – E era um script absurdo.
Perdoe-a Senhor e perdoa-nos pela nossa 20th Century Fox
por esta Colossal Superprodução em que todos nós temos trabalhado.

Ela tinha fome de amor e lhe ofertamos tranqüilizantes,
para a tristeza de não ser santa, recomendamos-lhe a Psicanálise.
Lembra-te Senhor de seu crescente pavor à câmera
e do ódio à maquiagem – insistindo em maquiar-se em cada cena - e como foi se tornando maior o horror e maior a impontualidade nos estúdios.

Como toda empregada de loja
sonhou tornar-se estrela de cinema.
E sua vida foi irreal como um sonho que um psiquiatra interpreta e arquiva.

Seus romances foram um beijo com os olhos fechados
olhos que quando se abrem
descobre-se que foi sob os refletores e apagam os refletores!
e desmontam as duas paredes do aposento (era um set cinematográfico)
enquanto o Diretor afasta-se com suas anotações porque a cena já foi filmada.
Ou uma viagem de iate, um beijo em Cingapura, um baile no Rio
uma recepção na mansão do Duque e da Duquesa de Windsor
vistos na TV de um apartamento miserável.
O filme terminou sem o beijo final.
Foi achada morta em sua cama com a mão no telefone.
E os detetives não souberam para quem ela ia ligar.
Foi como alguém que discou o número da única voz amiga
e ouviu tão-só a voz de uma gravação que diz: WRONG NUMBER.
Ou como alguém que ferido pelos gangsters
estende a mão a um telefone desligado.

Senhor
quem quer que tenha sido a quem ela ia telefonar
e não telefonou (e talvez fosse ninguém
ou era Alguém cujo número não está na Lista de Los Angeles)
atende Tu ao telefone!